top of page

O teste

O TESTE

Triunfando de uma dura prova

Leib era um homem de uma grande piedade, amava e servia D’us com todo seu coração. Sua Mitsva predileta era Hachnassat Orchim – a hospitalidade com os viajantes e com os pobres, os quais, não dispondo de teto, procuram alimento e um lugar de repouso.

A prática desta custosa Mitsva só é possível, como se imagina, para quem tem um certa fortuna. Essa fortuna, a D’us obrigado, Leib a tinha. O “quarto dos convidados” era o mais belo e o mais confortável da sua casa. Os travesseiros mais aquecidos, os lençóis mais macios estavam sempre prontos para acolher o viajante cansado à procura de uma noite de descanso. Quanto à mesa de Leib, era abastecida em forma permanente com alimentos bons e abundantes.

Os constantes esforços que fazia Leib para o exercício desta Mitsva o deixavam envaidecido, quem sabe até um pouco orgulhoso. Seria necessário desculpá-lo por isso? Ele fazia tanto bem, é verdade; mas um defeito é um defeito. Digamo-lo diretamente, Leib, por mais caritativo que fosse, não tinha nenhum direito ao orgulho. Também, no momento que ele, uma vez dessas, se gabou com sua mulher dizendo que ninguém poderia fazer hospitalidade mais ou melhor que ele, começaram seus problemas. Satan, vigilante eterno das fraquezas humanas, precipitou-se ao Tribunal Celestial queixando-se da ostentação de Leib.

O Tribunal Celestial estudou ao caso, dando finalmente seu veredicto: dado que as boas ações de Leib advogavam amplamente em seu favor, sua transgressão não era tão grave assim; ela merecia, entretanto, que se detivessem nela. O culpado seria submetido a um teste. Se saísse vitorioso do mesmo, seria castigado apenas com um ano de pobreza. Então seu pecado seria perdoado. Em caso contrário, seu castigo seria também a pobreza, mas pelo resto dos seus dias.

Na sexta feira seguinte. Enquanto Leib se preparava para o Shabat, um estrangeiro se apresentou em sua casa e pediu para comer e passar a noite. O aspecto do homem era pouco convidativo: ébrio, sujo, tinha o aspecto de um vagabundo que acabava de rolar na lama. Seus modos eram rudes.

-  Estou com fome! Me da alguma coisa para comer; e para beber também, e rápido! disse.

Leib não proferiu uma palavra de protesto. Foi à cozinha e preparou uma bandeja onde colocou comida delicada e saborosa. De volta à sala de jantar onde havia deixado o visitante, deixou a bandeja na sua frente. Essa copiosa refeição era acompanhada de uma garrafa de bom vinho.

- Come, meu amigo, e bebe quanto quiser, disse-lhe.

O vagabundo não esperou que o repetisse. Comeu e bebeu gulosamente e não parou antes de esvaziar a bandeja e a garrafa. Leib então lhe disse: “Com certeza vai querer me acompanhar na Sinagoga para receber o Shabat? Eu já estou indo”.

- Como! Disse o homem. Você chama isso de refeição? Fazia três dias que eu não comia e ainda estou com muita fome. Traga-me alguma coisa de sério para comer. Certamente você preparou peixe e carne para o Shabat! Um e outro são meus pratos prediletos. E já que está, não esquece de me dar também um desses bons pães brancos (Chalot) de Shabat!

A atitude do estrangeiro começava a intrigar Leib. Por outro lado ele temeu estar atrasado para a Sinagoga. Mas não demostrou nada ao seu hóspede, voltou para a cozinha e trouxe de lá, um instante depois, a bandeja carregada com uma enorme porção de peixe, um prato de carne e outra garrafa de vinho. E nem tinha esquecido do bom pão branco que a esposa de Leib havia preparado especialmente para o Shabat. Um bonito sorriso nos lábios e apresentou outra vez a bandeja ao desconhecido.

O olhar deste último brilhou de satisfação e de gulodice ao ver chegar essa comida toda mas não houve nenhuma palavra de agradecimento da sua boca. Tão vorazmente quando a primeira bandeja ele começou a devorar o que havia diante dele, com o cuidado de regá-lo copiosamente, ‘engolindo’ literalmente a garrafa, com grandes goles de vinho. Leib ficou com pena dele; o vagabundo parecia não ter verdadeiramente comido há vários dias.

Ainda não Basta

Quando este último esvaziou mais uma vez o conteúdo da bandeja, Leib lhe perguntou delicadamente se já estava satisfeito.

- Satisfeito? Berrou o desconhecido, no mais mínimo!

E sem mesmo pedir licença ele se dirigiu a grandes passos para a cozinha. Ali ele abriu o forno onde estava a comida do Shabat para que se conserve quente e retirou dele uma panela enorme. Ao passar notou que ainda havia peixe e carne na mesa da cozinha. Ele levou esses dois pratos e, titubeando sob o peso do seu fardo, voltou para a sala.

Leib estava aterrado. Ele percebeu que faltaria para a sua família o necessário para o Shabat. Mas para não contrariar seus hóspede, decidiu não dizer nada. Pacientemente esperou mais uma vez que o desconhecido terminasse de comer e beber, Depois lhe perguntou de novo se queria acompanhá-lo para a sinagoga.

- Não, acho que não, respondeu o homem, estou muito cansado e gostaria de ir deitar, Me mostra meu quarto.

Leib conduziu-o. O vagabundo deu uma olhada e fez cara feia.

- Não gosto desse quarto, disse. Onde está o seu? Eu quero vê-lo.

- Eu o cedo para você com prazer, respondeu o paciente Leib. Mas posso te assegurar que o quarto dos convidados é o melhor que tenho na casa.

Quando Leib mostrou seu próprio quarto ao estrangeiro, este rosnou:

- Sim, gostei dele; vou deitar, estou esgotado de cansaço...

Sem se preocupar em tirar as roupas sujas nem as botas cheias de lama, o vagabundo se atirou na cama imaculada do dono da casa e quase de imediato começou a roncar vigorosamente.

Leib abandonou-o ao seu profundo sono e se apressou para chegar na sinagoga. O sol já estava bem baixo atrás das grandes árvores quando ele chegou. Ele era visto mais cedo do que isso de costume. Ele expulsou do espírito qualquer pensamento estranho e se concentrou nas suas orações.

A casa toda Suja

Depois ele entrou em casa para um simulacro de jantar, já que a cozinha tinha sido praticamente saqueada pelo desconhecido. Leib e sua mulher decidiram guardar a maior parte do pouco que sobrava para seu convidado, sacrificando para ele não só a sua refeição como também a dos seus filhos. A família apenas comeu. Mas isso não os impediu de reservar para o Shabat uma serena acolhida e a alegria que lhe era devida.

No dia seguinte pela manhã, quando Leib se levantou, o vagabundo, esparramado na sua cama, roncava a mais não poder. Com a insolência que o caracterizava, ele tinha pedido para não o perturbarem. Leib respeitou a consigna e foi para a Sinagoga.

Quando voltou, encontrou seu convidado finalmente acordado e já ocupado, devorando aquilo sobre o qual ainda tinha podido botar a mão. As últimas reservas da casa passaram por ele. Depois desses excessos, como deveria se esperar, o estômago do vagabundo reagiu da única maneira conforme à sua natureza: bruscamente ele expulsou de uma vez toda a comida que havia devorado desde a véspera. A casa ficou toda suja deixou um fedor no ar que durou a tarde toda.

Finalmente o Shabat passou. Leib recitou a Havdala e convidou seu hóspede a ficar para a refeição de Melavé-Malca.

Então, de repente, a expressão e a atitude do homem mudaram.

- Rabi Leib, começou, com voz impregnada com uma insólita doçura, fui enviado por D’us para fazer você passar por um teste. E você triunfou. Você foi admirável. Em nenhum instante você perdeu a paciência apesar de minha persistência deliberada em irritar você. Você suportou minha rudeza sem uma palavra de protesto e você foi bom e generoso do começo ao fim da prova muito dura à qual te submeti. Não somente você, mas também sua mulher e seus filhos, todos renunciaram a tudo para mim, que afinal não sou mais que um estrangeiro e que, além do mais, não manifestei nenhuma gratidão. Muito pelo contrário. Posso agora dizer que tudo isso ocorreu porque você se gabou uma vez da hospitalidade que fazia. O Tribunal Celestial havia decretado que como castigo você seria submetido a este teste. Ora, você passou por ele com sucesso; um pesado castigo lhe será poupado.

Entretanto, um mínimo de pena é inevitável. O Tribunal Celestial decretou que para expiar o pecado, se inflija a você o exílio da sua própria casa durante um ano. Você não poderá ficar em lugar algum por mais de uma noite. No lugar que você passar a noite, não vai passar o dia; e no lugar em que passar o dia, a noite será proibida a você. A única exceção será o Shabat e os dias de festa.

Logo que acabou seu discurso, o desconhecido desapareceu.

A caminho do Exílio

O desventurado Leib fez seus preparativos às pressas; era preciso vagar durante todo um ano pelo mundo, levando a vida de um vagabundo sem lar. Uma vida assim, ninguém pode imaginar o desconforto e as dificuldades que pode trazer, só mesmo quem passou pela experiência. Faça o Céu, pelo menos, com que as pessoas honestas nunca tenham esse destino.

Passaram os dias, depois as semanas. Leib atravessava sem parar cidades, vilarejos e distritos. Onde passava o dia, não ficava a noite e onde passava a noite não via o dia. O santo Shabat e as festas eram as únicas exceções a esta regra.

Cansado e abrumado Leib chegou finalmente numa sexta feira pela manhã numa localidade onde a comunidade judia não era muito importante. Ele perguntou pelo caminho da Sinagoga. Lá se juntou ao Minian e fez suas orações com a mesma devoção. O ofício tendo terminado, o Shamash lhe explicou como chegar na cabana de um dos coveiros locais para lá passar o santo dia. Quando Leib chegou, o dono da casa tinha saído para fazer algumas compras. Sua mulher não acolheu bem o visitante.

- Meu marido não está, disse sem gentileza. Espera por ele lá fora, se quiser; até a volta dele, você poderia pelo menos ser útil rachando lenha para o Shabat.

- Ficarei encantado em participar da Mitsva dos preparativos para o Shabat, respondeu ele vivamente.

A mulher deu um machado a Leib e ele entregou-se de imediato à sua tarefa. Mas a fatalidade persistia atingindo o coitado do homem. Como não estava acostumado com essa ferramenta, voou pelos ares uma grande lasca de madeira que foi bater nos vidros da janela que quebraram com estrondo. A mulher se precipitou logo para fora da casa. Quando viu os prejuízos causados por Leib, cobriu-o de maldições.

- Maldito o desajeitado! Meu marido vai ficar furioso comigo quando voltar, se queixou. O que vamos fazer agora?

- Estou desolado, disse Leib. Por favor, aceite essas moedas para consertar os vidros.

A preparação do Peixe

A mulher não o deixou dizer duas vezes, arrancando da mão de Leib o dinheiro que lhe oferecia. Depois se empenhou em varrer os cacos de vidro espalhados pelo chão.

Passou um camponês, carregando na sua cesta um bonito peixe, fresquinho, que acabara de pescar no rio.

- Cinqüenta moedas, senhora, e é seu! Disse à mulher.

- Cinqüenta moedas? Por esse valor eu poderia comprar um peixe que fala, respondeu a mulher. Aliás eu só tenho mesmo vinte moedas. É aceitar ou nada feito.

O camponês aceitou o dinheiro e foi embora. Parecia satisfeito com a venda.

Querendo compensar seu fracasso, Leib disse à mulher: “Sabe, o peixe é a minha especialidade. Peço-lhe apenas uma faca e uma panela. Vou preparar o peixe e cozinhá-lo no fogo de lenha. Vai ver a delicia que vai ficar!”

A mulher não disse uma palavra, mas deu a Leib um panelão, uma faca, umas cebolas e sal. Ele acendeu o fogo, lavou e limpou o peixe e orgulhosamente o colocou na panela que pousou no fogo. Mas uma vez mais, a sorte estava contra ele. Como fez para empurrar a panela, Só D’us sabe! O choque projetou os pedaços de peixe para fora da panela; alguns rolaram no chão empoeirado e outros foram parar no meio das cinzas.

Eu tinha certeza, berrou a mulher. Isso é tudo que vocês sabem fazer, os homens! Sai da minha frente antes que eu perca completamente a paciência.

Uma Acolhida pouco Amigável

Leib, cabisbaixo, saiu e foi para o terreno vizinho preparando-se para receber o santo dia. O coveiro não demorou para chegar e ficou sabendo pela mulher que tinha sido mandado para eles um convidado para Shabat.

- Onde está ele? Perguntou o homem.

- Eu o vi dirigindo-se para o campo, há alguns momentos.

Pronto ele também para o Shabat, o coveiro seguiu o caminho que levava ao campo. Mal começou a andar ouviu alguém cantando; dirigiu-se ao ponto de onde provinha a voz e encontrou Leib.

- Porque você está cantando no escuro? Gritou o homem irritado. Vamos, venha, estou morto de fome.

Leib se sobressaltou. Se apressou para concluir suas orações, depois, saudando seu anfitrião lhe disse: “Bom Shabat”.

- Um bom Shabat, respondeu o homem sem dissimular seu mau humor. Mandar-me um desgraçado como você para o santo dia!

Leib ficou mortificado. Mas já haviam entrado no Shabat e ele já não tinha para onde ir. Felicitou-se de qualquer maneira por ter trazido sua própria garrafa de vinho para Quidush, já que o coveiro não fez a menor tentativa de lhe oferecer vinho.

Finalmente os três sentaram na mesa para a refeição. O peixe foi servido. De repente o dono da casa deu um pulo na cadeira.

- O que é esse peixe, gritou para a mulher, está cheio de areia!

- É a culpa dele, não a minha, respondeu, acusando com o dedo o convidado.

O restante da refeição foi uma penosa prova para o coitado do Leib. Ele desejava que isso acabasse o antes possível. Quando pode, pediu desculpas e saiu.

Uma noite Fria do lado de Fora

- Não conhecemos você, rosnou a mulher. Além do mais você poderia roubar alguma coisa se te deixássemos passar a noite em casa. Você vai ter que dormir lá fora, no celeiro.

Apesar do frio da noite, Leib foi deixado fora sem a menor cerimonia. Na manhã seguinte, ele foi bem cedo pela manhã para a sinagoga. O coveiro já estava lá. Leib sentou atrás da Bimá com os pobres. Para surpresa sua, ele foi chamado para a Torá; era a primeira vez que isso acontecia com ele desde que deixara a casa.

O coveiro não esperou que Leib concluísse suas orações. Então ele se dirigiu sozinho para a cabana que estava nas proximidades do cemitério. A refeição, para a qual, aliás, não o haviam esperado, havia terminado. A mulher do coveiro lhe serviu os restos, resmungando. Já estavam frios e sem sabor. Nunca antes Leib tinha tido um Shabat tão penoso. Após a Havdala, ele se preparou para partir. Só então o rosto do coveiro iluminou-se pela primeira vez com um sorriso enquanto lhe estendia a mão dizendo: “Shavuá Tov – Boa semana, Rabi Leib”.

Este ficou surpreso e seu espanto foi maior quando seu anfitrião lhe disse: “Não me reconhece mais?”. De repente Leib se deu conta que o coveiro não era outro que o estrangeiro que ele recebera em sua casa naquele Shabat fatídico.

- Seu pecado foi perdoado, Rabi Leib, disse o homem. Me custou mostrar tanta inimizade e tornar-te tão infeliz neste Shabat também, mas era para seu bem. A humilhação e a pena que você sofreu compensam os dois meses que ainda te faltavam passar no exílio. Agora você pode voltar para casa, encontrar sua mulher e seus filhos e continuar a fazer o bem como antes. Vai em paz, e que D’us te abençoe.

Leib era novamente um homem feliz. Voltando para casa, continuou a praticar a Mitsva de Hachnassat Orchim (hospitalidade) com mais generosidade que nunca. Mas agora ele o fazia com humildade e nunca, nunca mais ele demostrou a menos vaidade por isso.

           הרב הראשי ואב''ד ריא דע זשאניר

Copyright © RABINADO DO RIO DE JANEIRO

bottom of page